Debate: vacinar contra aftosa, sim ou não?

É possível parar de vacinar contra a febre aftosa no Uruguai? A análise de custos e benefícios justifica isso? O governo brasileiro insiste em interromper a vacinação contra a febre aftosa em 2020 nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná e pressiona toda a região a seguir esse caminho.

Apressada pelo lobby dos produtores de suínos – hoje, só o estado de Santa Catarina está livre de febre aftosa sem vacina -, onde a doença tem um peso forte, o ministro da Agricultura brasileiro Blairo Maggi, ainda ameaça não comprar mais carne de países que ainda vacinam contra a febre aftosa.

Passaram dezessete anos do surto de febre aftosa que complicou a pecuária uruguaia e gerou perdas de US $ 700 milhões devido à queda dos mercados, deixando 10.500 trabalhadores na indústria de carnes temporariamente sem trabalho (em 2001).

O Uruguai continua mantendo a cautela e, embora esteja claro que a situação da saúde regional agora não é parecida com a de 2001, veterinários e fazendeiros consideram que as condições para a cessação da vacinação de bovinos ainda não foram totalmente atendidas. Existem também diferentes posições entre os técnicos.

“Não devemos esquecer que parar de vacinar significa cumprir as medidas de vigilância epidemiológica, mas também os produtores, os serviços e os veterinários de campo precisam conhecer bem a doença. Tudo isso tem um custo”, alertou Jorge Bonino Morlan, representante da Associação Rural (ARU) ante a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) há mais de 20 anos.

O profissional buscou “não distrair” a discussão sobre se deveria parar de vacinar ou não. “A posição é treinar, fortalecer os serviços veterinários e analisar a região, para, em algum momento, interromper a vacinação contra a febre aftosa. Não ponho ficha nisso”.

O problema é que há gerações de produtores e veterinários que nunca viram aftosa no campo e isso é um grande gargalo.

O Uruguai, como país exportador de alimentos, “tem quase todos os mercados de alto valor aberto para a carne bovina”, mas para “a genética e os animais em pé existem obstáculos”, reconheceu Bonino. Por isso, embora seja a favor da erradicação da febre aftosa, promovida pelo Plano Hemisférico da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), considera que “não devemos nos apressar e é preciso dar passos concretos”. Para ele, a decisão do Brasil “está influenciando outros países que podem não estar prontos para parar de vacinar”, alertou.

Grande risco

Enquanto isso, para Lauro Artía, presidente do Centro Médico Veterinário de Paysandú, como representante da profissão de livre exercício, “parar a vacinação seria um grande risco”.

Sob uma análise técnica, tanto do MGAP quanto da Academia de Medicina Veterinária, a cessação da vacinação pode ser considerada, mas para Artí, deixar de aplicar a vacina como uma ferramenta de prevenção para manter o status sanitário e os mercado “implica começar a acreditar nos serviços veterinários dos países vizinhos” e adverte que “essa experiência já foi vivida pelo Uruguai” quando a epidemia de febre aftosa de 2001 eclodiu em todo o país.

Além disso, ele lembrou que “recentemente, uma missão russa suspendeu um frigorífico paraguaio por exportar carne bovina para seu país, porque encontrou carne contrabandeada do Brasil. Aquela planta em questão é de capitais brasileiros.”

A carne foi rotulada no frigorífico paraguaio e avaliada pelo serviço veterinário oficial do Paraguai (Senacsa). “Os controles que alguns países fazem ainda são duvidosos”, acrescentou o presidente do Centro Médico Veterinário de Paysandú.

Meses atrás, a Colômbia sofreu novos surtos de febre aftosa gerados por contrabando de gado da Venezuela, onde a situação sanitária é incerta. “Na região há países com sérios problemas do ponto de vista institucional, e acreditar nesses serviços veterinários é muito difícil”, afirmou Artía.

Dúvida

Para os veterinários de exercício livre, os benefícios de parar de vacinar contra a febre aftosa “são relativos”. Artía argumentou que “as carnes uruguaias estão acessando os mercados mais interessantes, inclusive a Coreia do Sul” e em breve poderão entrar no Japão.

“Do ponto de vista da carne bovina, não mudaria a história parar de vacinar contra a febre aftosa (deve ser lembrado que no Uruguai apenas os bovinos são vacinados). A única coisa que estaria nos pressionando hoje é o mercado brasileiro que está ameaçando não comprar carne de países que vacinam, mas esse mercado não está nos pesando. Tendo todos os mercados capacitados, hoje o risco de parar a vacinação sem um estudo sério e sem uma clara relação custo-benefício justificando a medida é muito alto”, explicou.

No âmbito de uma reunião que, durante a Conferência Uruguaia de Buiatría – organizada todos os anos pelo Centro Médico Veterinário de Paysandú – os presidentes de todos os Centros Médicos Veterinários, a Faculdade de Veterinária, a Academia Veterinária e o MGAP, foi considerado que deve haver muitas condições para parar de vacinar.

“Seria necessário ter um plano de custo-benefício que valesse a pena, que a região fosse auditada e que se justificasse parar de vacinar. Antecipadamente, devemos ter um plano de contingência caso o problema apareça, alguns serviços de saúde preparados para ter uma barreira sanitária forte, principalmente com o Brasil, que planeja parar de vacinar em 2020 no Rio Grande e no Paraná. Há muitas coisas que precisam ser feitas antes de tomar a decisão de parar de vacinar”, advertiu Artía.

Mudança

Além de concordar com a necessidade de ter um bom plano de contingência e uma boa resposta a qualquer reintrodução da febre aftosa, o ex-Diretor dos Serviços de Pecuária do MGAP e delegado oficial da OIE por mais de uma década, Francisco Muzio, estimava que “você tem que iniciar o processo para parar de vacinar”.

O especialista alertou que se você continuar “confiante na vacina e não melhorarmos a vigilância, acho que o risco aumentará no sentido de que as tensões históricas são difíceis de reaparecer, exceto a que está agindo na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia, que é um vírus tipo O andino. É uma cepa que sempre esteve lá.”

Muzio disse que “embora haja um risco, acho que é um risco muito manejável”, porque a vacina contra as cepas históricas “dará cada vez menos proteção. Pode haver risco de entrar outra cepa continental adicional”.

Melhorar a vigilância é fundamental para este e outros especialistas. “Você tem que estar preparado no caso de uma reintrodução da febre aftosa para ter uma resposta de emergência tão boa quanto possível. Isso se baseia na detecção e eliminação precoces, porque, além disso, hoje, os regulamentos internacionais da OIE também são muito favoráveis”, reconheceu Muzio. O exemplo mais claro foi que, nos últimos focos, a Colômbia fez um zoneamento e não perdeu seu status.

O que ele considera “que está errado é dormir por acreditar que, se estamos vacinados, estamos protegidos. O registro de suspeitas na região é muito baixo para a população de gado que possui. Os países que apresentam estomatite vesicular estão atendendo a todas as suspeitas. As pessoas da região não denunciam porque descartam os casos, não investigam as suspeitas porque não há denúncia e isso, hoje ou amanhã, pode ser um problema”, alertou.

A região está melhor posicionada

“A situação sanitária na região hoje não tem nada a ver com o que foi em 2001, com uma Argentina muito complicada”, Muzio.

Essa situação na Argentina e suas mentiras, causou a epidemia de 2001 com um foco de índice que não estava em Soriano, como se pensava, mas entrou por Colonia. “Hoje o Cone Sul está bem. Manteve-se uma situação favorável graças às diretrizes do Plano Hemisférico de Erradicação da Febre Aftosa.”

Fonte: El País Digital, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint

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