Cientistas brasileiros desenvolvem rebanho musculoso com 10% a mais de carne

Numa fazenda de Araçatuba, em São Paulo, vive o primeiro rebanho de uma variedade brasileira de nelore nascida com a promessa de aumentar a produtividade e reduzir os custos ambientais da pecuária de corte. Parte do doutorado do veterinário Rodrigo Alonso, o estudo é resultado de 12 anos pesquisas.

Uniu seus conhecimentos sobre nelore com o que se sabia a partir dos testes genéticos do pesquisador Amílcar Tanuri, professor da UFRJ e co-orientador do doutorado de Alonso no Departamento de Reprodução Animal da USP. Alonso explica que a supermusculosa variedade, batizada de Nelore Myo, é mais produtiva porque tem mais carne – e carne mais macia. “O que o consumidor chama de músculo é o corte de menor qualidade, das partes mais duras do animal, mas isso não é o correto. Para o produtor, músculo é toda a carne.

No caso da Nelore Myo, ela também é muito mais macia porque há menor deposição de colágeno. Há ainda aumento das carnes nobres do traseiro”. Um nelore em ponto de abate pesa cerca de 500 quilos. Desse total, em torno de 265 quilos são carne e osso, as partes efetivamente pagas pelos frigoríficos. No Nelore Myo, chega-se a 300 quilos de carne e osso. “Passamos de 53% a 55% para 60%, em termos de aproveitamento. No primeiro abate técnico, houve um ganho de três arrobas. Pela cotação atual do boi gordo, isso dá um ganho extra de R$ 365 por animal. O Nelore Myo parece mais pesado, mas ele tem mais massa magra, muscular. Por isso, tem mais carne com o mesmo peso”. Os pesquisadores destacam que a maior produção por animal significa ganho ambiental. “Você reduz a necessidade de mais pastagens. A pecuária brasileira é muito improdutiva.

O que propomos é aumentar a produção sem aumentar pastagens”, salienta Tanuri. Os dois pesquisadores deram ao nelore as características e o porte do gado de corte europeu, que é mais produtivo, mas incapaz de se adaptar ao clima tropical da maior parte do Brasil. O nelore, originário da Índia, está mais do que em casa por aqui, representando cerca de 80% das 200 milhões de cabeças de gado de corte locais. Resistente e bem adaptado, ele ganhou porte atlético graças a uma mutação que normalmente não apresenta, no gene da miostatina, associado ao desenvolvimento muscular.

Essa modificação pode ocorrer naturalmente em todos os vertebrados, de seres humanos a peixes. Ela confere uma aparência extremamente musculosa e já foi identificada em crianças que nascem muito fortes. Com a mutação, a miostatina não inibe o crescimento de músculos e confere a seus portadores a chamada dupla musculatura. Vacas de raças europeias, em especial a belgian blue, foram selecionadas por terem essa mutação e serem muito musculosas.

“A belgian blue, assim como outras semelhantes, não se adapta ao clima do Brasil. Se fôssemos fazer somente a seleção tradicional por cruzamentos pouco específicos, levaríamos cerca de 30 anos para chegar ao resultado que obtivemos em 12”, explica Alonso. A primeira etapa foi cruzar o nelore com a belgian blue, por inseminação artificial. Com testes genéticos, selecionaram os filhotes que tinham a mutação e estes foram usados para a reprodução.

A partir daí, somente embriões de nelore com mutações foram escolhidos. “Após cinco gerações, obtivemos animais que são quase 100% nelore, mas têm a mutação. Eles já nascem mais musculosos”, diz Alonso. Hoje o rebanho de Nelore Myo tem cerca de 500 animais de diferentes idades e graus de pureza nelore, todos com a mutação. “Cinquenta bezerros já são da quinta geração, 100% nelore e com a mutação. Há também 20 mil doses de sêmen para distribuir para produtores interessados no projeto”.

Fonte: O Globo

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